Jesus pode ser considerado Deus?
A verdade é mais grandiosa que a mente finita do
homem, e nossa falta de habilidade de perceber todos
os aspectos e significados de uma verdade não significa
que esta não exista. (J.J. VAN DER LEEUW).
O engano é necessário para se obter e manter o poder
e vantagem sobre os outros. (JOHN SNYDER)
Esse assunto torna-se recorrente, visto determinadas pessoas ainda insistirem na tese
de que Jesus seja Deus, tomando-se uma ou outra passagem bíblica para justificar a
interpretação que têm. Obviamente, que faz parte de quase todas as culturas religiosas a
crença de que uma divindade viria a Terra, após fecundar uma mulher; essa sempre uma
virgem. Se não estivermos nos enganando na interpretação do pensamento do psiquiatra suíço
C. G. Jung (1875-1961), isso poderia ser classificado como um arquétipo (JUNG, 1988).
O certo é que Jesus, tendo nascido e vivido como um judeu, nunca diria tal coisa; é o
que, de fato, percebemos nas narrativas dos Evangelhos. A lei judaica seria implacável quanto
a isso; certamente, que resultaria no apedrejamento do blasfemo até a morte, num rito
sumário sem qualquer possibilidade de apelação para alguma instância superior.
Como ainda não tivemos a oportunidade de fazer um estudo sobre o tema, vamos
aproveitar esse momento para fazê-lo, de uma forma mais abrangente que nos for possível.
Para isso é necessário que analisemos várias passagens bíblicas, nas quais estaremos grifando
os trechos que julgamos importantes, visando ressaltá-los.
Mt 1,22-23: “Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo
profeta: 'Vejam: a virgem conceberá, e dará à luz um filho. Ele será chamado
Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco'”.
Essa passagem certamente que nada tem a ver com o assunto; entretanto, vemos que,
algumas vezes, é usada para justificar a condição de Jesus ser Deus, por ter vindo cumprir
essa e muitas outras profecias. Não vamos aqui estender muito a explicação sobre isso, pois
ela poderá ser vista no seu todo em nosso texto “Será que os profetas previram a vinda de
Jesus?”.
Em Isaías é que iremos encontrar a suposta profecia relacionada a esse passo: “Pois
saibam que Javé lhes dará um sinal: A jovem concebeu e dará à luz um filho, e o chamará
pelo nome de Emanuel”.(Is 7,14). Entretanto, pelo contexto bíblico iremos perceber que, na
verdade, Deus está prometendo um sinal ao rei Acaz, que seria exatamente o filho dele que
está por nascer, o que podemos confirmar com “O sinal prometido a Acaz é o seu próprio filho,
do qual a rainha (a jovem) está grávida. Esse menino que está por nascer é o sinal de que
Deus permanece no meio do seu povo (Emanuel = Deus conosco)”.(Bíblia Sagrada Pastoral, p.
955).
Outro fato curioso é que o nome Jesus significa “Deus é salvação”; obviamente,
diferente de Emanuel que quer dizer “Deus está conosco”, que é o nome previsto na passagem
tida como profecia.
Mc 2,7: “Por que fala assim este homem? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados
senão um só, que é Deus?”
Mc 10,18: “Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? ninguém é bom, senão
um que é Deus”.
Jo 5,44: Como podeis crer, vós que recebeis glória uns dos outros e não buscais a
glória que vem do único Deus?
Jo 17,3: E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, como o único Deus verdadeiro,
e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste.
Rm 3,30: “De fato, há um só Deus que justifica, pela fé, tanto os circuncidados como
os não circuncidados”.
Rm 16,27: “ao único Deus sábio seja dada glória por Jesus Cristo para todo o sempre.
Amém”.
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1Cor 8,4: “Quanto, pois, ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o
ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só”.
1Cor 8,6: “Contudo para nós existe um só Deus: o Pai. Dele tudo procede, e para ele
é que existimos. E há um só Senhor, Jesus Cristo, por quem tudo existe e por meio do
qual também nós existimos”.
Gl, 3,20: “Ora, esse intermediário não representa uma pessoa só, e Deus é um só”.
Ef 4,6: “Há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que age por meio de
todos e está presente em todos”.
1Tm 1,17: “Ora, ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus, seja honra e
glória para todo o sempre. Amém”.
1Tm 2,5-6: "Porque existe um só Deus. E entre ele e os homens há um só
intermediário, que é Jesus Cristo seu Filho, que é, ele próprio, homem também; o qual
se deu a si mesmo como preço da salvação de toda a humanidade. Esta é a mensagem
que Deus trouxe ao mundo no momento oportuno"
Tg 2,19: “Você acredita que existe um só Deus? Muito bem! Só que os demônios
também acreditam, e tremem!”
Jd 1,24-25: “Àquele que pode guardar-vos da queda e apresentar-vos perante sua
glória irrepreensíveis e jubilosos, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus
Cristo nosso Senhor, glória, majestade, poder e domínio, antes de todos os séculos,
agora e por todos os séculos! Amém”.
Um dos pontos fortes para que Jesus fosse elevado à condição de Deus está na crença
da Trindade, onde a divindade seria três pessoas, iguais e distintas ao mesmo tempo. Não
iremos abordar essa questão aqui, mas apenas argumentar que, por essas passagens, não há
como atribuir tal coisa; julgamos ser interpretações equivocadas de quem assim as vê,
porquanto nenhum desses passos fala disso. E, para ver que crença de Deus ser um só não é
coisa nova, citamos do Antigo Testamento:
Dt 4,35: “Foi a você que lhe mostrou isso, para você ficar sabendo que Javé é o único
Deus e que não existe outro além dele”.
Dt 4,39: “Portanto, reconheça hoje e medite em seu coração: Javé é o único Deus,
tanto no alto do céu, como aqui em baixo, na terra”.
Is 44,6: “Assim diz Javé, o Rei de Israel, seu redentor, Javé dos exércitos: Eu sou o
primeiro, eu sou o último, fora de mim não existe outro Deus”.
Is 45,14: “Deus está somente com você e não existe nenhum outro, não existem
outros deuses”.
Is 45,18: “Porque assim diz, Javé, que criou os céus, o único Deus, que formou a
terra, que a fez e a firmou em suas bases; ele não a fez para ser um caos, mas para
ser habitada; Eu sou Javé e não existe outro”.
Is 46,9: “Lembrem-se das coisas há muito tempo passadas, pois eu sou Deus, e não
existe outro. Eu sou Deus, e não existe outro igual a mim”.
1Rs 8,60: “Assim, todos os povos da terra saberão que só Javé é Deus e que não há
nenhum outro”.
Se você, leitor, se interessar pelo tema Trindade, pedimos a sua permissão para lhe
recomendar o nosso texto “Trindade: um “mistério” criado por um leigo, anuído pelos
teólogos”.
Mt 4,1-11: “Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado
pelo Diabo. E, tendo jejuado quarenta dias e quarenta noites, depois teve fome.
Chegando, então, o tentador, disse-lhe: 'Se tu és Filho de Deus manda que estas
pedras se tornem em pães'. Mas Jesus lhe respondeu: Está escrito: 'Nem só de pão
viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus'. Então o Diabo o levou
à cidade santa, colocou-o sobre o pináculo do templo, e disse-lhe: 'Se tu és Filho de
Deus, lança-te daqui abaixo; porque está escrito: Aos seus anjos dará ordens a teu
respeito; e: eles te susterão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra'.
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Replicou-lhe Jesus: 'Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus'.
Novamente o Diabo o levou a um monte muito alto; e mostrou-lhe todos os reinos do
mundo, e a glória deles; e disse-lhe: 'Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares'.
Então ordenou-lhe Jesus: 'Vai-te, Satanás; porque está escrito: 'Ao Senhor teu Deus
adorarás, e só a ele servirás'. Então o Diabo o deixou; e eis que vieram os anjos e o
serviram”.
No Evangelho segundo Marcos, o primeiro a ser escrito, não se especifica essas três
tentações; o autor diz, apenas, genericamente, que no período assinalado Jesus foi tentado
por Satanás. No de Lucas, no final do relato, há algo interessante; nele narra-se: “Assim,
tendo o Diabo acabado toda sorte de tentação retirou-se dele até ocasião oportuna” (Lc 4,13).
O que nos chamou a atenção foi a expressão “retirou-se dele”, dando a impressão de que
Jesus estava possuído pelo diabo, o que vai muito além das tentativas de levar o Mestre a
fazer as cousas que lhe foram sugeridas por ele.
Causou-nos muita estranheza o fato de Jesus, ao ser sugerido para adorar o tentador,
tenha dito “não tentarás o Senhor teu Deus”, uma vez que o dito cujo o havia reconhecido
como o Filho de Deus. Essa afirmativa pode levar à interpretação de que aqui Jesus estaria
insinuando que ele seria o próprio Deus, fato que não vemos a não ser em algumas narrativas
de João, caso não tenhamos maior cuidado em buscar o sentido exato do que este fala.
A grande dúvida que nos envolve é: se as tentações de Jesus, que aqui nos são
narradas, de fato ocorreram, então, é evidente a contradição com o que foi dito por Tiago,
pois, segundo ele “Deus não pode ser tentado pelo mal” (Tg 1,13); assim, não nos cabe aceitar
Jesus como sendo mesmo o próprio Deus.
Por outro lado, ampliando nosso campo de pesquisa, verificamos que essa suposta
tentação de Jesus tem precedentes em outras culturas religiosas. Renan, por exemplo, nos
informa um fato curioso; diz ele que “O deserto era, segundo a crença popular, a morada dos
demônios”. (RENAN, 2004, p. 165). Aliás, até mesmo os hebreus assim pensavam, conforme
comprovam as passagens:
Lv 16,10: “mas o bode sobre que cair a sorte para Azazel será posto vivo perante o
Senhor, para fazer expiação com ele a fim de enviá-lo ao deserto para Azazel1”.
Lv 16,20-22: “... Arão... apresentará o bode vivo; e, pondo as mãos sobre a cabeça do
bode vivo, confessará sobre ele todas as iniquidades dos filhos de Israel, e todas as
suas transgressões, sim, todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do
bode, e enviá-lo-á para o deserto, pela mão de um homem designado para isso.
Assim aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles para uma região solitária;
e esse homem soltará o bode no deserto”.
Lv 17,7: “Daqui em diante e para sempre, os israelitas nunca mais oferecerão
sacrifícios aos demônios do deserto, pois, se fizerem isso, estarão sendo infiéis a
Deus”.
Encontramos nessa crença, de que os demônios moravam no deserto, o motivo pelo
qual Jesus foi levado ao deserto para ser tentado. E, segundo Juan Arias, “o que o demônio
propõe a Jesus em suas tentações são justamente coisas típicas dos magos, como voar através
das nuvens ou transformar pedras em pães” (ARIAS, 2001, p. 177). Devemos também somar
a isso uma outra crença, a de que os líderes espirituais deveriam sofrer algum tipo de tentação
antes de iniciarem a sua missão. Vejamos alguns exemplos:
Mais ou menos com a idade de 30 anos, isto é, com a mesma idade de Jesus, Buda inicia sua
carreira espiritual. Durante um jejum e penitência, é tentado pelo mal da mesma forma como
Jesus o foi pelo diabo, após quarenta dias e quarenta noites de abstinência. No Oriente é comum
uma história que atribui a Zoroastro uma semelhante tentação, que também aparece na saga
dos santos cristãos. (KERTEN, 1988, p. 85) (grifo nosso).
Durante sete dias Buda permaneceu sentado sob a árvore bodhi, sem se mover, em
abençoado êxtase. Conta a lenda que, durante esse período, ele foi tentado por Mara, o
demônio. (KERSTEN e GRUBER, 1995(?), p. 28). (grifo nosso).
Na mesma linha, como o inimigo de Hórus era Sata, deduz-se que daí teria vindo a teoria de
1 Azazel, conforme nos informam os tradutores da Bíblia de Jerusalém (p. 183-184), é o nome de um demônio que os
antigos hebreus e cananeus acreditavam que habitasse o deserto.
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satanás e dos demônios contida nos evangelhos. Hórus, assim como Jesus mil anos depois,
também lutou no deserto, durante quarenta dias, contra as tentações de Sata, numa luta
simbólica entre a luz e a escuridão. (ARIAS, 2001, p. 112). (grifo nosso).
Portanto, as tentações de Jesus narradas nada mais são do que um reflexo de culturas
religiosas, incorporadas aos Evangelhos para ser mantido o mesmo padrão do que acontecia
com os que eram considerados filhos de deuses e/ou seus reveladores.
Corroborando nosso entendimento, veja o leitor o que dizem os evangelhos:
Mt 4,16-17: “Batizado que foi Jesus, saiu logo da água; e eis que se lhe abriram os
céus, e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre
ele; e eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me
comprazo”.
Mc 1,9-11: “E aconteceu naqueles dias que veio Jesus de Nazaré da Galileia, e foi
batizado por João no Jordão. E logo, quando saía da água, viu os céus se abrirem, e
o Espírito, qual pomba, a descer sobre ele; e ouviu-se dos céus esta voz: Tu és
meu Filho amado; em ti me comprazo”.
Lc 3,21-22: “Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, e
estando ele a orar, o céu se abriu; e o Espírito Santo desceu sobre ele em forma
corpórea, como uma pomba; e ouviu-se do céu esta voz: Tu és o meu Filho amado;
em ti me comprazo”.
Jo 1,32: “E João deu testemunho, dizendo: Vi o Espírito descer do céu como
pomba, e repousar sobre ele”.
Interessante é a divergência; afinal, o que se viu?: o Espírito Santo de Deus, o Espírito
Santo ou simplesmente o Espírito? E como será que desceu sobre ele? Vejamos o que Ehrman
nos diz: “Ver, por exemplo, Marcos 1:10. Em grego, o versículo diz literalmente que o Espírito
desceu 'para dentro' de Jesus”. (ERMAN, 2008, p. 374) (grifo nosso). Ora, se o Espírito
desceu para dentro de Jesus, então, caso seja esse espírito o Espírito Santo, pode-se concluir
que os dois (Jesus e o Espírito) são distintos um do outro. E mais que o Espirito Santo é maior
do que Jesus, porquanto, somente após essa “descida” do espírito é que o Nazareno inicia a
sua pregação ao povo, desempenhando a sua missão de Messias, após o caminho endireitado
por João (Mt 3,3) ou seja, depois de estar sob a ação do Espírito Santo. Isso será confirmado
em Mt 12,31-32, que analisaremos um pouco mais à frente.
Mt 9,6-8: “'Pois bem, para que vocês saibam que o Filho do Homem tem poder na
terra para perdoar pecados - então disse Jesus ao paralítico: Levante-se, pegue a sua
cama e vá para a sua casa'. O paralítico então se levantou, e foi para a sua casa.
Vendo isso, a multidão ficou com medo e louvou a Deus, por ter dado tal poder aos
homens”.
A expressão “Filho do Homem”, encontrada inúmeras vezes (doze vezes em Mt, treze
vezes em Mc, vinte e seis vezes em Lc e doze vezes em Jo), foi usada por Jesus para se
colocar como um homem e não como o próprio Deus; fato que também pode ser observado,
quando, após curar esse paralítico, a multidão louvou a Deus por ter dado tal poder aos
homens, ou seja, com isso estavam se referindo a Jesus como homem; portanto, é certo que o
tinham mesmo nessa condição, não como sendo o próprio Deus.
Mt 11,27: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece
plenamente o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece plenamente o Pai, senão o Filho, e
aquele a quem o Filho o quiser revelar”.
Caso Jesus se considerasse Deus não havia razão para dizer que recebera todas as
coisas do Pai, porquanto, ele já as tinha por si mesmo.
Mt 12,31-32: “É por isso que eu digo a vocês: todo pecado e blasfêmia será perdoado
aos homens; mas a blasfêmia contra o Espírito não será perdoada. Quem disser alguma
coisa contra o Filho do Homem, será perdoado. Mas quem disser algo contra o
Espírito Santo, nunca será perdoado, nem neste mundo, nem no mundo que há de
vir.”
Ora, se toda blasfêmia contra o Filho do Homem será perdoada e a contra o Espírito
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Santo nunca será, a conclusão, que depreendemos disso, é que ele é superior ao Filho do
Homem. Então, a igualdade na Trindade, propalada pelos que nela creem, não existe. Se não
existe, consequentemente, Jesus, não podendo ser o Espírito Santo, muito menos poderá ser
Deus.
Mt 12,48-49: “Ele, porém, respondeu ao que lhe falava: Quem é minha mãe? e quem
são meus irmãos?·E, estendendo a mão para os seus discípulos disse: Eis aqui minha
mãe e meus irmãos”.
Mt 25,34-40: “Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu
Pai. Possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era
forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava
na prisão e fostes ver-me. Então os justos lhe perguntarão: Senhor, quando te vimos
com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? Quando te vimos
forasteiro, e te acolhemos? ou nu, e te vestimos? Quando te vimos enfermo, ou na
prisão, e fomos visitar-te? E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre
que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o
fizestes.·E responder-lhes-á o Rei: Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a
um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes”.
Mt 28,9-10: “E eis que Jesus lhes veio ao encontro, dizendo: Salve. E elas,
aproximando-se, abraçaram-lhe os pés, e o adoraram. Então lhes disse Jesus: Não
temais; ide dizer a meus irmãos que vão para a Galileia; ali me verão”. (fato ocorrido
depois de sua ressurreição).
Jo 10,17: “Disse-lhe Jesus: Deixa de me tocar, porque ainda não subi ao Pai; mas vai a
meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso
Deus”.
Ao tratar a todos, povo e discípulos, como irmãos, Jesus o faz seguramente por se ter
nessa condição; não numa infinitamente mais elevada, que seria aquela na qual se
considerasse a própria divindade. E, numa outra oportunidade, afirmou: “Em verdade, em
verdade vos digo: Aquele que crê em mim, esse também fará as obras que eu faço, e as
fará maiores do que estas; porque eu vou para o Pai;” (Jo 14,12). Ora, disso não podemos
concluir outra coisa senão que Jesus se igualou a todos nós, a não ser que tenhamos o que
aqui está dito como inverídico.
Mt 14,23: “Tendo-as despedido, subiu ao monte para orar à parte. Ao anoitecer,
estava ali sozinho”.
Mt 26,36: “Então foi Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmane, e disse aos
discípulos: Sentai-vos aqui, enquanto eu vou ali orar”.
Mt 26,39: “E adiantando-se um pouco, prostrou-se com o rosto em terra e orou,
dizendo: Meu Pai, se é possível, passa de mim este cálice; todavia, não seja como
eu quero, mas como tu queres”.
Mt 26,44: “Deixando-os novamente, foi orar terceira vez, repetindo as mesmas
palavras”.
Lc 3,21: “Quando todo o povo fora batizado, tendo sido Jesus também batizado, e
estando ele a orar, o céu se abriu;”
Lc 6,12: “Naqueles dias retirou-se para o monte a fim de orar; e passou a noite toda
em oração a Deus”.
Lc 9,28: “Cerca de oito dias depois de ter proferido essas palavras, tomou Jesus
consigo a Pedro, a João e a Tiago, e subiu ao monte para orar”.
Mantendo-se a crença de que Jesus é Deus, julgamos totalmente fora de propósito ele
orar para si mesmo; tal coisa fere-nos a razão, por tão absurdo que seria isso. Até onde
sabemos somente os mortais comuns oram a Deus. E, inclusive, numa delas, Jesus pede a
Deus para afastar dele o cálice, fraqueza não condizente com a sua condição de Espírito puro,
mensageiro divino; pior ainda se ele fosse mesmo Deus.
Mt 16,13-14: “Tendo chegado à região de Cesareia de Filipe, Jesus perguntou aos
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discípulos: ‘Quem dizem por aí as pessoas que é o filho do homem?’ Responderam:
‘Umas dizem que é João Batista, outras que é Elias, outras enfim, que é Jeremias ou
algum dos profetas’”.
Mt 26,67-68: “Então, cuspiram no seu rosto e cobriram-no de socos. Outros lhe davam
bordoadas. E lhe diziam: ‘Mostra que és profeta, ó Cristo, advinha quem foi que te
bateu?’”
Jo 7,40: “Muitos daquela gente que tinham ouvido essas palavras de Jesus afirmavam:
‘Verdadeiramente ele é o profeta’”.
Jo 9,17: “Perguntaram ainda ao cego: ‘Qual é a tua opinião a respeito de quem te abriu
os olhos?’ Respondeu: ‘É um profeta’”.
Lc 24,19 “... Jesus de Nazaré foi um profeta, poderoso em obras e palavras diante de
Deus e do povo”.
At 2,22: “Homens de Israel, escutai o que digo: ‘Jesus de Nazaré foi o homem
credenciado por Deus junto a nós com poderes extraordinários, milagres e prodígios.
Bem sabeis as coisas que Deus realizou através dele no meio de vós’”.
Por esses passos temos, seguramente, que o povo e os discípulos pensavam ser Jesus
um profeta e não o próprio Deus; porém, não é só isso: ele mesmo assim se qualificava; senão
vejamos:
Lc 13,33: “Entretanto devo continuar meu caminho hoje, amanhã e no dia seguinte,
porque não convém que um profeta morra fora de Jerusalém”.
Mc 6,4-5: “Mas Jesus lhes dizia: ‘Um profeta só deixa de ser honrado em sua pátria,
em sua casa e entre seus parentes. E não podia ali fazer milagre algum’”.
Observamos, assim, que tanto o povo como os seus discípulos acreditavam que Jesus
era um profeta, o que aqui, nesses passos, está sendo confirmado pelo próprio Mestre. Na
passagem que se segue também veremos como o tinham.
Mt 17,1-6: “Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, a Tiago e a João, irmão
deste, e os conduziu à parte a um alto monte; e foi transfigurado diante deles; o seu
rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis
que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele. Pedro, tomando a palavra, disse a
Jesus: 'Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três cabanas, uma para
ti, outra para Moisés, e outra para Elias'. Estando ele ainda a falar, eis que uma
nuvem luminosa os cobriu; e dela saiu uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado,
em quem me comprazo; a ele ouvi. Os discípulos, ouvindo isso, caíram com o rosto em
terra, e ficaram grandemente atemorizados”.
Percebemos que Pedro, ao sugerir a construção de três cabanas2, uma para cada um
dos personagens - Jesus, Moisés e Elias -, o faz porque tem os três no mesmo nível, ou seja,
estabeleceu uma igualdade entre eles; via de consequência, tomou Jesus como um profeta, tal
e qual os outros dois foram, sem qualquer tipo de privilégio, como aconteceria caso o visse
como Deus.
Mt 20,20-23: “Aproximou-se dele, então, a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos,
ajoelhando-se e fazendo-lhe um pedido. Perguntou-lhe Jesus: 'Que queres?' Ela lhe
respondeu: 'Concede que estes meus dois filhos se sentem, um à tua direita e outro à
tua esquerda, no teu reino'. Jesus, porém, replicou: 'Não sabeis o que pedis; podeis
beber o cálice que eu estou para beber?' Responderam-lhe: 'Podemos'. Então lhes
disse: 'O meu cálice certamente haveis de beber; mas o sentar-se à minha direita e
à minha esquerda, não me pertence concedê-lo; mas isso é para aqueles para
quem está preparado por meu Pai'”.
Certamente que, se houvesse igualdade entre Jesus e Deus, ele mesmo poderia ter
atendido ao pedido da mãe dos filhos de Zebedeu; porém, não o fez e foi logo dizendo que
somente o Pai poderia fazê-lo. Portanto, não há como aceitar que Jesus seja Deus, usando-se
2 Algumas traduções trazem tendas, que significa, abrigos rústicos para residência temporária. (Bíblia Anotada, p.
1209).
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de seus próprios argumentos.
Mt 24,30-36: “Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, e todas as
tribos da terra se lamentarão, e verão vir o Filho do homem sobre as nuvens do céu,
com poder e grande glória. E ele enviará os seus anjos com grande clangor de
trombeta, os quais lhe ajuntarão os escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra
extremidade dos céus. Aprendei, pois, da figueira a sua parábola: Quando já o seu
ramo se torna tenro e brota folhas, sabeis que está próximo o verão. Igualmente,
quando virdes todas essas coisas, sabei que ele está próximo, mesmo às portas. Em
verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas essas coisas se
cumpram. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras jamais passarão. Daquele
dia e hora, porém, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só
o Pai”.
Se encontramos alguma coisa que Jesus, o filho, não sabe, somente o Pai é que tem
conhecimento, não há razão para supô-los uma só personalidade. Será que o Pai tem segredos
para Jesus ou existem coisas que estariam acima do conhecimento deste? Qualquer que seja a
resposta, dela nós só podemos concluir que nem tudo o filho sabe; portanto, diante disso, ele
não pode ser Deus.
Mt 27,46: “Cerca da hora nona, bradou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lamá
sabactani; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”.
Totalmente fora de propósito, caso Jesus fosse Deus, ele clamar a si próprio (Deus) por
tê-lo desamparado. Aliás, em outra oportunidade, ele disse “meu Pai, vosso pai, meu Deus,
vosso Deus” (Jo 20,17); portanto, reforçando sua condição de igualdade para conosco, uma
vez que não se coloca nem mesmo como alguém superior a qualquer um de nós, como
também como sendo Deus. Por sua elevação moral, pode, nesse sentido, ser considerado
superior, pois é um Espírito puro que nos foi enviado por Deus, para regenerar a humanidade.
Mt 28,2: “E eis que houvera um grande terremoto; pois um anjo do Senhor descera do
céu e, chegando-se, removera a pedra e estava sentado sobre ela”.
Na intimidade, ficamos confabulando com “os meus botões” sobre os grandes prodígios
atribuídos a Deus, tais como criar o Universo, mandar chover para inundar a Terra de água,
confundir a língua dos terráqueos, abrir o Mar Vermelho em duas muralhas, parar o Sol para
aumentar as horas do dia, fazer chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra,
derrubar as muralhas de Jericó, entre outros feitos extraordinários narrados na Bíblia, como
não pôde mover uma simples pedra que fechava seu túmulo, foi preciso que um anjo, uma
reles de suas criaturas, o fizesse? Diria um homem precavido: “Sei não, mas esse aí, que
colocaram no túmulo, não poderia ser Deus”.
Mc 1,24: “Que temos nós contigo, Jesus, nazareno? Vieste destruir-nos? Bem sei quem
és: o Santo de Deus”.
Tomando-se como verdadeira essa passagem, estaremos diante de uma situação bem
embaraçosa. Tendo satanás, aquele que dizem ter sido expulso do céu, identificado Jesus como
o Santo de Deus e não o próprio, essa informação é importante, uma vez que ele, sendo um
dos filhos de Deus, que vivia no reino dos céus (Jó 1,6), conhecia pessoalmente a Deus, vamos
assim dizer, então, como atribuir a ele outra condição? Diante do que se coloca aqui, não nos
cabe aceitar Jesus como sendo mesmo o próprio Deus.
Mc 10,18: “Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? ninguém é bom, senão
um que é Deus”.
Se Jesus não aceita o epíteto de bom, porquanto, segundo sua maneira de pensar, isso
só pode ser atribuído a Deus, não há outra conclusão a chegar senão a de que ele não se
considerava como sendo o próprio Deus, por mais que queiram, via dogmatismo, atribuir essa
condição a ele.
Mc 10,27: “Jesus, fixando os olhos neles, respondeu: Para os homens é impossível,
mas não para Deus; porque para Deus tudo é possível.
Resposta dada por Jesus, quando foi questionado sobre quem poderia ser salvo. Seria
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mais lógico, caso fosse a divindade, ele ter se incluído nessa afirmativa, quem sabe, dizendo:
“... porque para mim tudo é possível”.
Mc 12,26-27: “Quanto aos mortos, porém, serem ressuscitados, não lestes no livro de
Moisés, onde se fala da sarça, como Deus lhe disse: Eu sou o Deus de Abraão, o
Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ora, ele não é Deus de mortos, mas de vivos.
Estais em grande erro”.
Da mesma forma, que na situação anterior, aqui ele deveria ter dito: “como eu já lhes
disse:... eu não sou Deus de mortos”.
Mc 15,39: “Ora, o centurião, que estava defronte dele, vendo-o assim expirar, disse:
Verdadeiramente este homem era filho de Deus”.
Se o reconhecessem como Deus essa frase só teria sentido se estivesse dessa forma:
“Verdadeiramente este homem era Deus”; até mesmo porque, devemos convir, satanás
também é filho de Deus (Jó 1,6). Nesse caso, podemos até dizer que satanás seria filho de
Jesus. Então como Jesus não o repreendeu como a um filho, na tentação do deserto?
Lc 1,35: “Respondeu-lhe o anjo: 'Virá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo
te cobrirá com a sua sombra; por isso o que há de nascer será chamado santo, Filho
de Deus'”.
Será que o anjo se enganou, ou realmente toda a corte celeste tem Jesus como um
homem? Portanto, se o chamavam de “santo filho de Deus” isso não é tê-lo como o próprio
Deus.
Lc 2,40: “E o menino ia crescendo e fortalecendo-se, ficando cheio de sabedoria; e a
graça de Deus estava sobre ele”.
Essa narrativa é uma das poucas referências à infância de Jesus. Nela não vemos
sentido dizer que a graça de Deus estava sobre ele, caso fosse o próprio Deus, uma vez que,
para se chegar a essa conclusão, teria que ser afirmado algo mais ou menos assim: “a graça
de Deus era ele”.
Lc 3,23: “Jesus tinha cerca de trinta anos quando começou sua atividade pública. E,
conforme se pensava, ele era filho de José,...”.
Será que até aos trinta anos de vida, Jesus não foi considerado como sendo Deus,
deixando-se para fazê-lo depois? Ou será que o tornaram Deus posteriormente? Ficamos com
a segunda hipótese.
Jo 1,1-14: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.
Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e
sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens;
a luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela. Houve um
homem enviado de Deus, cujo nome era João. Este veio como testemunha, a fim de
dar testemunho da luz, para que todos cressem por meio dele. Ele não era a luz, mas
veio para dar testemunho da luz. Pois a verdadeira luz, que alumia a todo homem,
estava chegando ao mundo. Estava ele no mundo, e o mundo foi feito por
intermédio dele, e o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o
receberam. Mas, a todos quantos o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o
poder de se tornarem filhos de Deus; os quais não nasceram do sangue, nem da
vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus. E o Verbo se fez carne, e
habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória
do unigênito do Pai”.
Certamente, que Jesus sendo o Verbo de Deus, ou seja, aquele por quem Deus envia a
Sua mensagem à humanidade, ao encarnar-se como ser humano, podemos considerar o Verbo
se fazendo carne. Entretanto, o que não podemos fazer, por falta de lógica, é admitir que Jesus
seja o próprio Deus encarnado, uma vez que se Deus não cabe num templo, com muito maior
razão, não caberia num corpo humano, templo do Espírito. Salomão, com sua sabedoria,
percebeu que: “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que o céu, e até o céu dos
céus, não te podem conter; quanto mais esta casa que edifiquei!” (1Rs 8,27), ou seja, nem
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mesmo na Terra é admitido que Deus caiba, o que perfeitamente podemos entender, por se
tratar de um ser infinito.
E, quanto ao versículo 14, que diz “E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós”,
encontramos a seguinte explicação: “Esta expressão entre nós não é fiel ao original, que é
em nós (do grego em hemin; e do latim in nobis, como está na Vulgata). (CHAVES, 2006, p.
136). (negrito nosso). Em http://www.bibliacatolica.com.br/ confirmamos que, de fato, em
grego e latim, consta da forma aqui mencionada. O interessante é que isso muda
completamente o sentido da frase, pois se o Verbo está em nós, é, certamente, a centelha
divina que todos nós possuímos, não se pode dizer que somente Jesus a tenha.
O filósofo, educador e teólogo Huberto Rohden (1893-1981), é bom ressaltarmos, expadre
jesuíta, manifestou sua opinião sobre isso da seguinte forma:
Que é o Cristo, o Ungido, que os antigos hebreus chamavam Messias, o Enviado?
O quarto Evangelho designa o Cristo com a palavra Logos, começando o texto com estas
palavras:
"No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus".
A palavra grega Logos é muito anterior à Era Cristã. Os filósofos antigos de Alexandria e
de Atenas, sobretudo, Heráclito de Éfeso, designavam com Logos o espírito de Deus
manifestado no Universo. Logos seria, pois, o Deus imanente, em oposição à Divindade
transcendente, que não é objeto de nosso conhecimento.
A Vulgata Latina traduz Logos por Verbo: "No princípio era o Verbo..."
Logos, Verbo, Cristo são idênticos e designam a atuação da Divindade Creadora, a
manifestação individual da Divindade universal.
Neste sentido, o Cristo é Deus, mas não é a Divindade. E neste sentido diz ele aos
Homens: "Vós sois deuses"; os homens são manifestações individuais da Divindade Universal. A
primeira e mais perfeita das manifestações da Divindade Universal, no Universo, é o Cristo, o
Verbo, o Logos, que Paulo de Tarso chama acertadamente "o primogênito de todas as creaturas"
do Universo.
O Cristo é anterior à creação do mundo material. Ele é "o Primogênito de todas as
creaturas". O Cristo não é creatura humana, mas a mais antiga individualidade cósmica, que,
antes do princípio do mundo, emanou da Divindade Universal.
O Cristo é Deus, mas não é a Divindade, que Jesus designa com o nome Pai: "Eu e o Pai
somos um, mas o Pai é maior do que eu".
Deus, na linguagem de Jesus, significa uma emanação individual da Divindade universal.
A confusão tradicional entre Deus e Divindade tem dado ensejo a intermináveis
controvérsias entre os teólogos. Mas o texto do Evangelho é claro: o Cristo afirmou ser
Deus, mas nunca afirmou ser ele a própria Divindade. (ROHDEN, s/d, p. 23-25).(grifo nosso).
Quando Paulo de Tarso diz que o Cristo é o primogênito de todas as creaturas, supõe ele
que o Cristo seja creatura, e não o Creador, e toda creatura é evolvível, de perfeição elástica,
aumentável. Nenhuma creatura pode coincidir com o Creador. " (ROHDEN, s/d, p. 45). (grifo
nosso).
Portanto, temos aí, por esse renomado teólogo, a confirmação de que Jesus não é
Deus, com base nessa passagem de João.
Por outro lado, vemos a afirmativa de que Jesus é Filho unigênito, e João repete isso
por mais quatro vezes (Jo 1,18; 3,16,18; 1Jo 4,9), enquanto em outras passagem se diz ser
ele primogênito, estabelecendo um conflito, pois não se pode atribuir a uma mesma pessoa
simultaneamente essas duas condições. Leiamos os passos:
Rm 8,28-29:“E sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porque os que
dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de
seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos;”.
Cl 1,12-15: “dando graças ao Pai que vos fez idôneos para participar da herança dos
santos na luz, e que nos tirou do poder das trevas, e nos transportou para o reino do
seu Filho amado; em quem temos a redenção, a saber, a remissão dos pecados; o
qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;”.
Hb 1,1-6: “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos
pais, pelos profetas, nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, e por quem fez também o mundo; sendo ele o
resplendor da sua glória e a expressa imagem do seu Ser, e sustentando todas as
coisas pela palavra do seu poder, havendo ele mesmo feito a purificação dos pecados,
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assentou-se à direita da Majestade nas alturas, feito tanto mais excelente do que
os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles. Pois a qual dos anjos
disse jamais: Tu és meu Filho, hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei Pai, e ele me
será Filho? E outra vez, ao introduzir no mundo o primogênito, diz: E todos os anjos
de Deus o adorem”.
As afirmativas de que Jesus foi “o primogênito entre muitos irmãos” e “o primogênito
de toda a criação” é um golpe mortal na crença de que ele seja Deus, especialmente, aos que
querem usar a razão e a lógica como base de sua análise. Em Hebreus percebe-se que Jesus é
superior aos anjos, os filhos de Deus (Jo 1,6) que, como sabemos, são Espíritos humanos
desencarnados; certamente, por sua condição de Espírito puro, não se poderia dizer outra
coisa dele.
Jo 1,15: “João deu testemunho dele, e clamou, dizendo: Este é aquele de quem eu
disse: O que vem depois de mim, passou adiante de mim; porque antes de mim ele
já existia.
Jo 8,58: “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que
Abraão existisse, eu sou”.
Cl 1,17: “Ele existe antes de todas as coisas, e tudo nele subsiste”.
Não compreendendo que todos os Espíritos preexistem, tomaram essa afirmativa sobre
Jesus para sustentar a condição dele ser o próprio Deus. Certo estava Jó ao dizer “somos de
ontem e nada sabemos” (Jó 8,9); mas, infelizmente, até o momento, isso não foi
compreendido pelos teólogos, que condicionam, ainda que inconscientemente, a faculdade de
criar de Deus de acordo com o Seu interesse, ao capricho dos pais de quando querem ter um
filho, para que Ele possa gerar um Espírito que vá habitar o corpo que se forma; portanto,
submetem a vontade do Criador à das criaturas.
Já, por muitas vezes, vimos pessoas usando o “eu sou” citado por João, para divinizar
Jesus, ao estabelecerem uma relação dessa afirmativa com o que foi dito em Ex 3,14: “...
Assim dirás aos olhos de Israel: EU SOU me enviou a vós”. O que não fazem para chegar ao
que querem?... Na verdade quanto ao “eu sou” da frase de João trata-se do verbo existir, ou
seja, Jesus está afirmando que ele existia antes de Abraão, nada mais que isso. Simples, de
ver isso: se em Êxodo estivesse um dos nomes atribuídos a Deus, a fala ficaria: “... dirás...
Jeová me enviou a vós”. Façamos a mesma coisa na frase de João: “... antes que Abraão
existisse, Jeová”, ou seja, não tem cabimento, pois faltará sentido para a frase, enquanto, que
se entendermos o “eu sou” como “eu já existia”, isso perfeitamente se encaixa para se
compreender o que foi dito.
Encontramos uma versão bem interessante para essa passagem de Êxodo: “Eu sou o
Ser. Assim dirás aos filhos de Israel: O Ser me enviou até a vós” (ASCH, 1958, p. 115), que,
acreditarmos, dá uma tradução mais lógica ao passo.
Jo 4,34: “Disse-lhes Jesus: 'A minha comida é fazer a vontade daquele que me
enviou, e completar a sua obra'”.
Jo 5,30: “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma; como ouço, assim
julgo; e o meu juízo é justo, porque não procuro a minha vontade, mas a vontade
daquele que me enviou”.
Jo 6,38: “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade
daquele que me enviou”.
Fica clara a condição de Jesus ser subordinado a Deus, vindo ao mundo pela vontade
Dele, para cumprir determinada missão; por conseguinte, não temos como não vê-lo como
alguém que é inferior a Deus, embora, bilhões e bilhões de vezes moralmente superior a
qualquer um de nós, seres humanos normais.
Jo 5,43: “Eu vim em nome de meu Pai, e não me recebeis; se outro vier em seu
próprio nome, a esse recebereis”.
Jo 8,38: “Eu falo do que vi junto de meu Pai; e vós fazeis o que também ouvistes de
vosso pai”.
Jo 10,18: “Ninguém ma tira de mim, mas eu de mim mesmo a dou; tenho autoridade
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para a dar, e tenho autoridade para retomá-la. Este mandamento recebi de meu
Pai”.
Jo 10,29: “Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatálas
da mão de meu Pai”.
Jo 14,21: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama;
e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a
ele”.
Jo 14,23: “Respondeu-lhe Jesus: Se alguém me amar, guardará a minha palavra; e
meu Pai o amará, e viremos a ele, e faremos nele morada”.
Jo 15,10: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do
mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço
no seu amor”.
Jo 15,15: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor;
mas chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos dei a conhecer”.
Jo 15,23-24: “Aquele que me odeia a mim, odeia também a meu Pai. Se eu entre eles
não tivesse feito tais obras, quais nenhum outro fez, não teriam pecado; mas agora,
não somente viram, mas também odiaram tanto a mim como a meu Pai”.
Ninguém chama a si mesmo de “meu Pai”, a não ser que esteja completamente fora do
juízo. Até onde sabemos, não existe nenhuma lei natural que possa fazer alguém ser pai de si
mesmo; portanto, aqui temos claramente a distinção entre Jesus e Deus. E não há desculpa de
“mistério” que possa resolver essa questão.
Jo 8,54: “Respondeu Jesus: 'Se eu me glorificar a mim mesmo, a minha glória não é
nada; quem me glorifica é meu Pai, do qual vós dizeis que é o vosso Deus;'”.
Jo 20,17: “Disse-lhe Jesus: 'Deixa de me tocar, porque ainda não subi ao Pai; mas vai
a meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e
vosso Deus'”.
Verifica-se que Jesus se coloca exatamente na mesma condição que todos nós, pois se
o Pai/Deus dele é o mesmo que o nosso, não podemos qualificá-lo como sendo o próprio Deus,
porquanto, dizer o contrário é não ser coerente com o que aqui ele diz.
Jo 10,25: “Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo disse, e não credes. As obras que eu faço
em nome de meu Pai, essas dão testemunho de mim”.
O correto seria dizer “as obras que eu faço, faço em meu nome”, caso Jesus se
considerasse o próprio Deus.
Jo 10,30: “Eu e o Pai somos um”.
Jo 14,20: “Naquele dia conhecereis que estou em meu Pai, e vós em mim, e eu em
vós”.
Jo 17,22: “E eu lhes dei a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós
somos um;”.
Dessas passagens a primeira é a que é mais usada para sustentar a divindade de Jesus.
O que não se faz para manter um dogma, pois aqui, de uma metáfora, fizeram uma realidade.
Quando um padre diz ao casal “agora vocês formam um só corpo”, tomando como base “o
homem... se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne” (Gn 2,24), devemos entender
pelo sentido metafórico ou como coisa real? Da mesma forma, também não poderemos pegar
o “Eu e o Pai somos um” a não ser no sentido figurado. E, tanto é verdade, que o que se diz
em Jo 17,22 derruba aquilo que tomaram como verídico; inclusive, para serem coerentes
teriam que tomá-lo também no mesmo sentido de Jo 10,30, mas não é isso o que fazem. Caso
Jesus quisesse que entendêssemos alguma igualdade, certamente teria dito algo mais ou
menos assim: “Eu e o Pai somos a mesma pessoa”; fala bem explicita, de modo a não deixar
qualquer possibilidade de dúvidas. Aliás, o que estamos vendo é que dezenas de passagens
nos apontam para o fato de que Jesus não é Deus, enquanto “meia-dúzia de seis”, num
linguajar popular, tenta nos contradizer, com a interpretação ortodoxa, que visa apenas
sustentar dogmas impostos a ferro e fogo.
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Recorramos novamente ao teólogo Rohden, que se manifestou da seguinte forma:
A visão de Jesus é inteiramente monista, e não monoteísta; para ele, há uma única Essência,
que ele chama Pai, a qual se manifesta em muitas existências, ou creaturas. Depois de afirmar "Eu
e o Pai somos um", acrescenta ele "mas o Pai é maior do que eu", como se dissesse: Eu, o
Cristo, estou na Divindade mas não sou a Divindade; a Divindade é infinitamente maior do
que eu. Ou então, em terminologia filosófica: Eu, a existência individual, sou uma manifestação da
Essência Universal, que é maior que qualquer existência; vós também, meus discípulos, sois
existências individuais, manifestações da Essência única da Divindade.
A manifestação individual da Divindade Universal é por ele chamada Deus. Quando foi
acusado de se dizer Deus, não o negou, e acrescentou que também os homens eram Deus,
isto é, manifestações individuais da Divindade Universal: "Vós também sois deuses".
Quando o Cristo se diz Deus, afirma ele que é uma manifestação individual da Divindade,
mas não faz de si uma parcela ou pessoa da Divindade, como não faz dos homens parcelas ou
pessoas da Divindade. Nenhuma creatura é parcela ou centelha da Divindade, como querem os
poetas; se a Divindade se parcelasse, ela se diminuiria na razão direta do seu parcelamento.
As creaturas são apenas manifestações da Divindade, ou existencializações múltiplas da
Essência una e única. (ROHDEN, s/d, p. 60-61) (grifo nosso).
Rohden foi muito feliz em suas colocações; somente o fanatismo, que nos embota o
raciocínio, impede de entendê-lo.
Jo 14,28: “Ouvistes que eu vos disse: 'Vou, e voltarei a vós. Se me amásseis, alegrarvos-
íeis de que eu vá para o Pai; porque o Pai é maior do que eu'”.
Não fosse a teimosia em querer sustentar suas crenças, essa passagem seria o “tiro de
misericórdia” na questão de Jesus ser Deus, porquanto, ele aqui foi taxativo em afirmar que
Deus é maior do que ele, e o que é maior, por questões de razão e lógica, não pode,
simultaneamente, ser visto como se fosse uma igualdade. Aliás, dizer que formam uma única
entidade mas distintas ao mesmo tempo já é para nós uma grande contradição.
Jo 15,1: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o viticultor”.
Percebemos que se tem de fazer muito esforço exegético para querer sustentar a tese
de que Jesus é Deus, porquanto, são inúmeras as passagens que nos apontam no sentido
contrário. O sentido metafórico aqui é claro, não podemos tomar um pelo outro, ou seja, Jesus
como sendo o próprio Deus, pois a videira não pode ser tomada pelo cultivador, da qual é
dono. Também, por lógica, não se deve tomar o filho com o pai, nem a coisa com o dono.
Jo 20,26-28: “Oito dias depois estavam os discípulos outra vez ali reunidos, e Tomé
com eles. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, pôs-se no meio deles e disse: 'Paz
seja convosco'. Depois disse a Tomé: 'Chega aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos;
chega a tua mão, e mete-a no meu lado; e não mais sejas incrédulo, mas crente'.
Respondeu-lhe Tomé: 'Senhor meu, e Deus meu!'.
Essa é mais uma das passagens utilizadas para sustentar que Jesus é Deus. Preferimos
tomar de outra tradução a expressão final de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!”, para facilitar
o entendimento. É algo que sempre acontece conosco no dia-a-dia, quando nos surge um
acontecimento extraordinário e exclamamos: “Meu Deus”. Ou ao encontramos um amigo que
não vemos de longa data, lhe dizer: “Meu Deus, você aqui!”. Certamente, que não queremos
elevar ninguém à categoria da divindade; é apenas uma forma de falar, tal e qual,
acreditamos, aconteceu com Tomé. Aliás, causa-nos espécie essa fala de Tomé só ter sido
narrada apenas por um dos evangelistas, quando fato semelhante a esse em importância - ida
de Jesus do Pretório ao Calvário -, foi narrado pelos quatro (Mt 27,31-32; Mc 15,20-21; Lc
23,25-26 e Jo 19,16-17).
At 2,22: ”Varões israelitas, escutai estas palavras: A Jesus, o nazareno, varão
aprovado por Deus entre vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus por ele fez
no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis;”.
Certamente que a afirmativa de Pedro, que Jesus era um varão aprovado por Deus,
está bem longe de se atribuir a ele uma condição divina, porquanto, ser aprovado varão é uma
coisa, ser Deus é outra completamente diferente.
At 3,13: “O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou a
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seu Servo Jesus, a quem vós entregastes e perante a face de Pilatos negastes,
quando este havia resolvido soltá-lo”.
A afirmativa de Pedro é categórica quanto à situação de Jesus de ser um servo
glorificado por Deus, não cabendo nenhuma outra interpretação que eleve Jesus à condição de
ser o próprio Deus, numa encarnação humana.
At 3,22: “Pois Moisés disse: 'Suscitar-vos-á o Senhor vosso Deus, dentre vossos
irmãos, um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser'”.
At 3,26: “Deus suscitou a seu Servo, e a vós primeiramente vo-lo enviou para que
vos abençoasse, desviando-vos, a cada um, das vossas maldades”.
Continuando seu discurso, Pedro relaciona Jesus a Moisés que, segundo acreditavam,
havia feito uma profecia de que Deus iria enviar um profeta semelhante a ele (Dt 18,15); disso
só temos uma alternativa: aceitar que Pedro e todos os outros discípulos tinham Jesus como
um profeta; não como a encarnação de Deus.
Por outro lado, a crença dos judeus era que, segundo as profecias, Deus lhes enviaria
um Messias (ungido); não que ele mesmo viria para restabelecer a sua aliança com o povo
hebreu.
At 4,27-31: “Porque verdadeiramente se ajuntaram, nesta cidade, contra o teu santo
Servo Jesus, ao qual ungiste, não só Herodes, mas também Pôncio Pilatos com os
gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho
predeterminaram que se fizesse. Agora pois, ó Senhor, olha para as suas ameaças, e
concede aos teus servos que falam com toda a intrepidez a tua palavra, enquanto
estendes a mão para curar e para que se façam sinais e prodígios pelo nome de teu
santo Servo Jesus. E, tendo eles orado, tremeu o lugar em que estavam reunidos; e
todos foram cheios do Espírito Santo, e anunciavam com intrepidez a palavra de Deus”.
Aí temos uma fala atribuída à comunidade cristã (v. 24), na qual se reafirma o que
Pedro dissera a respeito de Jesus, tendo-o como um santo servo de Deus, o que nos indica ser
essa a crença geral naquela época.
At 5,31: “Sim, Deus, com a sua destra, o elevou a Príncipe e Salvador, para dar a
Israel o arrependimento e remissão de pecados”.
Ora, se Deus elevou Jesus à condição de Príncipe e Salvador é porque ele estava numa
situação inferior a essa, razão pela qual, não o podemos ter como Deus, pois isso implica em
contradizer o que daí podemos entender.
At 10,36-38: “A palavra que ele enviou aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus
Cristo (este é o Senhor de todos) esta palavra, vós bem sabeis, foi proclamada por toda
a Judeia, começando pela Galileia, depois do batismo que João pregou, concernente a
Jesus de Nazaré, como Deus o ungiu com o Espírito Santo e com poder; o qual
andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do Diabo, porque
Deus era com ele”.
O que aqui ocorre é semelhante ao passo anterior; portanto, se Deus ungiu a Jesus com
“o Espírito Santo e com poder” é pelo fato de que ele não gozava dessa condição, o que nos
leva a acreditar que era inferior à nova situação; aquela depois de ungido e de ter recebido o
poder.
At 10,42: “este nos mandou pregar ao povo, e testificar que ele é o que por Deus foi
constituído juiz dos vivos e dos mortos.
Dessa fala de Pedro temos que Jesus disse que Deus o havia constituído juiz, como só
se concede uma condição dessa a quem não a tem, esse é o motivo que não nos permite
concluir que Jesus seja Deus; até mesmo porque, no sentido real, ninguém concede alguma
coisa a ele mesmo.
Rm 1,1-4: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, separado para o
evangelho de Deus, que ele antes havia prometido pelos seus profetas nas santas
Escrituras, acerca de seu Filho, que nasceu da descendência de Davi segundo a carne,
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e que com poder foi declarado Filho de Deus segundo o espírito de santidade,
pela ressurreição dentre os mortos-Jesus Cristo nosso Senhor,”.
Aqui a coisa vai mais longe, pois, se Jesus foi declarado Filho de Deus segundo o
espírito de santidade, nós outros o que somos? Ainda mantemos a ideia dos dois comentários
anteriores, pois Jesus foi declarado ser algo que antes não era; consequentemente, não temos
como elevá-lo a uma situação de ser ele o próprio Deus.
Rm 1,8: “Primeiramente dou graças ao meu Deus, mediante Jesus Cristo, por
todos vós, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé”.
2Cor 12,21: “e que, quando for outra vez, o meu Deus me humilhe perante vós, e
chore eu sobre muitos daqueles que dantes pecaram, e ainda não se arrependeram da
impureza, prostituição e lascívia que cometeram.”
Fl 1,2: “Dou graças ao meu Deus todas as vezes que me lembro de vós”.
Fl 4,19: “Meu Deus suprirá todas as vossas necessidades segundo as suas riquezas na
glória em Cristo Jesus”.
Fm 1,4: “Sempre dou graças ao meu Deus, lembrando-me de ti nas minhas orações”.
Teria Paulo perdido essas oportunidades para afirmar que Jesus era Deus, ou definir
Deus como sendo três pessoas? Acreditamos que não, porquanto, não era essa a concepção
que faziam de Jesus àquela época, conforme está ficando cada vez mais claro nesse estudo.
Rm 8,1-14: “Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo
Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da
morte. Porquanto o que era impossível à lei, visto que se achava fraca pela carne, Deus
enviando o seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado, e por causa do
pecado, na carne condenou o pecado, para que a justa exigência da lei se cumprisse
em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito. Pois os que são
segundo a carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o
Espírito para as coisas do Espírito. Porque a inclinação da carne é morte; mas a
inclinação do Espírito é vida e paz. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra
Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem em verdade o pode ser; e os que estão na
carne não podem agradar a Deus. Vós, porém, não estais na carne, mas no
Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o
Espírito de Cristo, esse tal não é dele. Ora, se Cristo está em vós, o corpo, na
verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça. E,
se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dos
mortos ressuscitou a Cristo Jesus há de vivificar também os vossos corpos mortais,
pelo seu Espírito que em vós habita. Portanto, irmãos, somos devedores, não à carne
para vivermos segundo a carne; porque se viverdes segundo a carne, haveis de
morrer; mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis. Pois todos os
que são guiados pelo Espírito de Deus, esses são filhos de Deus”.
Na verdade, não encontramos nada nessa passagem; porém, como a vimos ser citada
(o que consta em negrito) para justificar que Jesus é Deus, resolvemos colocá-la aqui. Mas é
certo que o Espírito de Deus habita em nós; não fomos criados à sua semelhança? O sentido
figurado não pode ser outro a não ser esse. E realmente, se uma pessoa não tem o Espírito de
Cristo, ou seja, age como ele agiu, não é dele, porquanto, não o segue no exemplo.
Rm 9,3-5: “Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus
irmãos, que são meus parentes segundo a carne; os quais são israelitas, de quem é a
adoção, e a glória, e os pactos, e a promulgação da lei, e o culto, e as promessas; de
quem são os patriarcas; e de quem descende o Cristo segundo a carne, o qual é sobre
todas as coisas, Deus bendito eternamente. Amém.
Muitas vezes deparamos com uma situação como essa; a de que a pontuação usada
pelos tradutores pode nos levar a uma conclusão equivocada do que se está querendo dizer. Se
no trecho final (v. 5) fosse dito: “... e de quem descende o Cristo segundo a carne, o qual é
sobre todas as coisas; Deus bendito eternamente. Amém”, perceberíamos que o sentido da
frase é diferente do que se poderia pensar que aqui estar-se-ia se dizendo que Jesus é Deus.
15
Quanto à questão da pontuação, é bom que se saiba:
[...] Um dos problemas com textos gregos antigos (o que incluiria todos os escritos cristãos
mais primitivos, incluindo os do Novo Testamento) é que, quando eram copiados, não se
usavam marcas de pontuação, não se fazia distinção entre minúsculas e maiúsculas e, o
que é ainda mais estranho para leitores modernos, não havia espaços de separação entre as
palavras. Este tipo de escrito sequencial é chamado de scriptuo continua e, é claro, muitas vezes,
podia dificultar ler (nem falemos em entender) um texto. As palavras godisnowhere poderiam
significar algo completamente distinto para um crente (God is now here = Deus está aqui agora) e
para um ateu (God is nowhere = Deus não está em parte alguma) e o que significa dizer
nojantardanoitepassadaamesaestavaabundante? Isso seria um acontecimento normal ou
extraordinário? (EHRMAN, 2006, p.58). (grifo nosso).
Sabemos que os manuscritos originais do Novo Testamento não possuíam pontuação, e
em face do fato de o grego clássico (incluindo o grego koiné, no qual foi escrito o Novo
Testamento) gozar de ampla liberdade no tocante à ordem das palavras, é impossível, à base do
próprio texto grego, provar um lado ou outro dessas ideias contraditórias. […] (SILVA, C., 2001, p.
309-310). (grifo nosso).
[…] Os manuscritos originais também não tinham sinais de pontuação. Estes foram
introduzidos na arte de escrever em época recente. É claro, pois, que a pontuação moderna não é
inspirada, e por isso não dá, às vezes, sentido às palavras do original. (SILVA, A., 1997, p. 77).
(grifo nosso).
Disso conclui o teólogo Champlim “Já que os primeiros manuscritos do N.T. são sem
pontuação sistemática, editores e tradutores do texto devem inserir tais marcas de pontuação
como parecem apropriadas à sintaxe e ao significado. […]” (CHAMPLIM, 2005, p. 745). Isso,
de fato, torna-se um problema muito sério, pois um sinal de pontuação mudado de lugar,
acrescentado ou suprimido, seja por interesse ou não de quem o fez, pode alterar
profundamente o sentido do texto. Para exemplificar isso, vejamos como o versículo 5, do
passo citado, se encontra em outras traduções bíblicas:
Bíblia do Peregrino: “… de sua linhagem segundo a carne descende o Messias. Seja
para sempre bendito o Deus que está acima de tudo. Amém”.
Bíblia Vozes: “… e deles é o Cristo segundo a carne. O Deus que está acima de tudo
seja bendito pelos séculos! Amém”.
Tradução Novo Mundo: “… e de quem [procedeu] o Cristo segundo a carne: Deus,
que é sobre todos, [seja] bendito para sempre. Amém”.
Observe-se que em todas, além da disposição dos vocábulos, há divergência na
pontuação, o que também ocorre comparando-as com a que transcrevemos mais acima.
Certamente, que o sentido delas, em relação à primeira, é completamente diferente em
virtude da pontuação, entre um período e outro, pois, quer se usando um ponto, quer se
usando os dois, não temos a mesma ideia de que no caso de usarmos uma vírgula, como no
texto questionado. Assim, percebe-se que a intenção no texto é destacar Deus como sendo o
verdadeiro e não a Jesus, o que se pode perfeitamente confirmar pelas próprias palavras de
Jesus se referindo ao Pai: “E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, como o único
Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste”. (Jo 17,3).
As duas primeiras Bíblias – do Peregrino e Vozes - são de cunho católico e a última
protestante. Acreditamos, sinceramente, que o significado seja o que daqui tiramos dessas
traduções e não o da outra citada anteriormente. Isso porque, conforme estamos
demonstrando, Jesus, àquela época, não era considerado como sendo o próprio Deus. Esse
fato veio a acontecer posteriormente, por imposição dos denominados “pais da Igreja”, cuja
interpretação acabou prevalecendo; portanto, são eles os “pais da criança”, ou seja, os
culpados de transformar Jesus em Deus; e, na sequência, para abrigar esse absurdo teológico,
foi criada a Trindade, que conforme acreditamos, foi copiada de outras religiões mais antigas.
O certo é que Paulo, autor da carta aos Romanos, não tinha Jesus como Deus. Esse fato
é importante, porquanto ele viveu bem mais próximo dos acontecimentos do que os “pais da
Igreja”. Leiamos o que ele disse aos colossenses:
Cl 1,15-20: “Ele é a imagem do Deus invisível, o Primogênito, anterior a
qualquer criatura; porque nele foram criadas todas as coisas, tanto as celestes como
as terrestres, as visíveis como as invisíveis: tronos, soberanias, principados e
16
autoridades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele existe antes de todas as
coisas, e tudo nele subsiste. Ele é também a Cabeça do corpo, que é a Igreja. Ele é o
Princípio, o primeiro daqueles que ressuscitam dos mortos, para em tudo ter a
primazia. Porque Deus, a Plenitude total, quis nele habitar, para, por meio dele,
reconciliar consigo todas as coisas, tanto as terrestres como as celestes, estabelecendo
a paz pelo seu sangue derramado na cruz”.
Caso Paulo realmente pensasse que Jesus fosse Deus, nunca iria dizer "ele é a imagem
do Deus invisível" e "aprouve a Deus fazer habitar nele a plenitude”; e para quem afirma que
"… não há senão um só Deus" (Rm 3,30), é porque não pensava em divinizá-lo ou em torná-lo
um Deus; certamente usou uma metáfora para evidenciar a grandeza de Jesus, que sabemos
ter participado da criação do mundo, como preposto de Deus.
1Cor 1,22-24: “Pois, enquanto os judeus pedem sinal, e os gregos buscam sabedoria,
nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus, e loucura para os
gregos, mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo, poder de
Deus, e sabedoria de Deus”.
A figura de linguagem é notória; Paulo sempre colocou Jesus como mediador entre
Deus e os homens (Gl 3,19-20; 1Tm 2,5) e, neste sentido, ele está com o poder e a sabedoria
de Deus, sem exatamente ser o próprio Deus. O autor de Hebreus, como exemplo, tem essa
mesma visão de Paulo, ou seja, para ele também Jesus é mediador. (Hb 8,6; 9,15 e 12,24).
1Cor 8,4-6: “Quanto, pois, ao comer das coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que o
ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só. Pois, ainda que haja
também alguns que se chamem deuses, quer no céu quer na terra (como há muitos
deuses e muitos senhores), todavia para nós há um só Deus, o Pai, de quem são
todas as coisas e para quem nós vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual
existem todas as coisas, e por ele nós também”.
Gl 3,20: “Ora, o mediador não o é de um só, mas Deus é um só.
Ef 4,46: “Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só
esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e
Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos”.
1Tm 2,5: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo
Jesus, homem,”.
Também seriam excelentes oportunidades para Paulo dizer que existe um só Deus e que
nele há três pessoas - o Pai, o Filho e o Espírito Santo; entretanto, não o faz, porquanto, ainda
não havia sido criada a crença na Trindade, o que só aconteceu posteriormente, conforme já o
dissemos. Então, se aqui Jesus não foi elevado à categoria de um Deus, extemporaneamente,
isso não deveria ter sido feito pelos teólogos dogmáticos. Na última passagem ainda se reforça
a condição de Jesus ser homem, embora não se possa negar sua condição de mensageiro
Divino, o maior Espírito que pisou o solo da Terra.
2Cor 4,4: “nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para
que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem
de Deus.
Cl 1,13-15: “e que nos tirou do poder das trevas, e nos transportou para o reino do seu
Filho amado; em quem temos a redenção, a saber, a remissão dos pecados; o qual é
imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;”.
Confundir a imagem de uma pessoa com a própria pessoa é algo em que falta bom
senso e lógica, aos que assim procedem. Se Jesus é a imagem de Deus, não pode ser, ao
mesmo tempo, o próprio Deus, como a nossa imagem no espelho não é nosso ser; é, na
realidade, apenas um reflexo do “meu físico”.
Gl 4,4-5: “mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido debaixo de lei, para resgatar os que estavam debaixo de lei, a fim
de recebermos a adoção de filhos”.
Se, conforme se entende, Jesus não teria vindo destruir a Lei (Mt 5,17), tendo nascido
17
de mulher e debaixo da lei, ou seja, nasceu de forma natural, como acontece a todos nós, pois
essa é a Lei, então, ele é um ser humano, em igualdade de condições conosco. Aliás, ele
mesmo afirmou “Tudo o que eu fiz, vós podeis fazer e até muito mais” (Jo 14,13); dessa forma
ele se iguala a todos nós, sem se colocar na posição de um ser superior e divino.
Ef 4,11-13: “E ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e outros como
evangelistas, e outros como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiçoamento dos
santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado de
homem feito, à medida da estatura da plenitude de Cristo;”.
Ora, se podemos chegar à medida da estatura da plenitude de Cristo é sinal de que ele
não é Deus, porquanto, nunca chegaremos à plenitude de Deus, uma vez que, se isso pudesse
acontecer, teríamos vários deuses; melhor dizendo, bilhões de deuses. Entretanto, não nos
será impossível chegar ao estado de homem feito (espírito puro).
1Pe 3,18: “Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos
injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado
no espírito;”.
A ressurreição espiritual de Jesus (vivificado no espírito) é um fato que leva muitas
pessoas a divinizá-lo, sem se darem conta de que todos os seres humanos também
ressuscitarão; uns para a glória (viver como espíritos puros), outros para a perdição (planetas
inferiores, onde haverá pranto e ranger de dentes). O dia em que o homem se render à
realidade do Espírito, o que de fato somos, então entenderá isso; até lá continuará mantendo
suas crenças, tal e qual crianças que acreditam ser verdadeira a história, contada pelos
adultos, de que os bebês são entregues por cegonhas.
1Jo 5,1: “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é o nascido de Deus; e todo
aquele que ama ao que o gerou, ama também ao que dele é nascido”.
Entendamos o que significa a palavra Cristo: “O termo de origem grega significa
'ungido' e traduz o termo hebraico 'messias'. Os sumos sacerdotes (Lv 4,3-16; 15,16) e os reis
de Israel (1Sm 12,3-5; 24,7.11; 2Sm 19,22) eram chamados de 'ungidos'”. (Bíblia Sagrada
Vozes – p. 1520) e até mesmo Ciro, rei da Pérsia, um pagão recebe o título “ungido de
Iahweh” (Is 45,1) (Bíblia de Jerusalém, p. 1325). Assim, percebemos que se trata de um título
e não um nome próprio como muitas vezes vemos nomeando-o, quando o correto seria dizer:
Jesus, o Cristo. Se outras passagens bíblicas trazem pessoas também consideradas como
ungidos, então não podemos dizer que a condição de “ungido” o transforma em divino, já que
sua divindade decorre de sua evolução espiritual.
1Jo 5,7-8: “Porque três são os que dão testemunho: o Espírito, e a água, e o sangue; e
estes três concordam”.
Em princípio, esse passo nada teria a ver com o caso; entretanto, ele consta de
algumas Bíblias3 com teor semelhante a este da Bíblia Anotada:
“Pois há três que dão testemunho [no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e
estes três são um. E três são os que testificam na terra]: o Espírito, a água e o
sangue, e os três são unânimes num só propósito”.
Vejamos o que nos explicam sobre essa divergência (o que grifamos):
O texto dos vv. 7-8 é acrescido na Vulg. De um inciso (aqui abaixo entre parênteses)
ausente dos antigos mss gregos, das antigas versões e dos melhores mss da Vulg., o qual
parece ser uma glosa marginal introduzida posteriormente no texto: “Porque há três que
testemunham (no céu: o Pai, o Verbo e o Espírito Santo, e esses três são um só; e há três que
testemunham na terra); o Espírito, a água e o sangue, e esses três são um só” (Bíblia de
Jerusalém, p. 2132-2133). (grifo nosso).
De acordo com os melhores códigos, o texto original devia ser o seguinte: “O Espírito, a
água e o sangue, e estes três são unânimes”. Estes vv. São conhecidos como o “Coma Joaneo”,
cujo acréscimo tem sua autenticidade contestada embora seja verdadeira a doutrina nele exposta.
3 Bíblia Sagrada – SBTB, Bíblia Anotada, Bíblia Shedd, Bíblia Sagrada – SBB, Bíblia Sagrada – Paulinas, 9ª, Bíblia
Sagrada – Paulinas, 37ª ed. e Bíblia Sagrada – Barsa.
18
(Bíblia Barsa, NT, p. 221). (grifo nosso).
Depois de “os que dão testemunhos”, ?ABVgSyh,p omitem as palavras acrescentadas em
mss. gr. Posteriores e na Vgc, a saber: 'no céu, o Pai, a Palavra, e o espírito santo; e estes três
são um. (Trad. Novo Mundo, p. 1407). (grifo nosso).
Jung, ao dizer que “não existe uma só passagem do Novo Testamento na qual a
Trindade seja mencionada dum modo que possa ser expresso numa linguagem racional”,
remete-nos a uma nota na qual ele explica o seguinte:
O chamado Comma Johanneum que, sob este ponto de vista, constitui uma exceção, é um
caso comprovadamente tardio e de origem duvidosa. Como textus per se (texto em si) e como
revelatum explicitum (como revelado explícito) seria a prova mais convincente da ocorrência da
Trindade no Novo Testamento. Trata-se de 1Jo 5,7: “Porque são três os que testificam: o Espírito
e a água e o sangue, e estes três estão de acordo, (isto é, convergem no testemunho de que
Cristo veio “pela água e pelo sangue”. A Vulgata, neste lugar, traz a inserção tardia: “Quonian tres
sunt, qui testiomonium dant in coelo: Pater, Verbum et Spiritus Sanctus: et hi tres unum sunt”
[Porque três são os que dão testemunho no céu: o Pai, o Verbo e o Espirito Santo, e estes três são
um só].[...] (JUNG, 1988, p. 27).
Um estudioso que também fala disso é o ex-evangélico Bart D. Ehrman, Ph.D. em
Teologia pela Princeton University e dirige o Departamento de Estudos Religiosos da University
of North Carolina, Chapel Hill. É especialista em Novo Testamento, igreja primitiva, ortodoxia e
heresia, manuscritos antigos e na vida de Jesus; ele afirma:
Havia, contudo, uma passagem-chave das Escrituras que os manuscritos-fonte de Erasmo não
continham: trata-se do relato de 1 João 5,7-8, que os pesquisadores chamaram de o parêntese
joanino, encontrado nos manuscritos da Vulgata latina, mas não na vasta maioria dos manuscritos
gregos, uma passagem que foi, por muito tempo, a predileta entre os teólogos cristãos, dado
que é a única passagem na Bíblia inteira que delineia explicitamente a doutrina da Trindade,
segundo a qual há três pessoas na divindade, com todas as três constituindo um só Deus.
Na Vulgata, a passagem é lida assim:
Há três que conduzem o testemunho nos céus: o Pai, o Verbo e o Espírito e esses três são um;
e há três que conduzem o testemunho na terra, o Espírito, a água e o sangue, e esses três são
um.
Trata-se de uma passagem misteriosa, mas inequívoca em seu apoio aos ensinamentos
tradicionais da igreja sobre o "Deus trino que é um". Sem esse versículo, a doutrina da Trindade
deve ser inferida de uma série de passagens combinadas para mostrar que Cristo é Deus, assim
como o Espírito e o Pai, e que há, não obstante, um só Deus. Essa passagem, por seu turno,
afirma a doutrina direta e sucintamente.
Mas Erasmo não a achou em seus manuscritos gregos, nos quais simplesmente se lê:
"Pois há três que dão testemunho: o Espírito, a água e o sangue, e esses três são um". Para
onde foram "o Pai, o Verbo e o Espírito"? Eles não figuravam no manuscrito primário de Erasmo,
nem em nenhum dos demais que ele consultou. Por isso, naturalmente, ele os deixou de fora de
sua primeira edição do texto grego.
Foi isso, mais do que qualquer outra coisa, que tirou do sério os teólogos de seu tempo, que
acusaram Erasmo de adulterar o texto, numa tentativa de eliminar a doutrina da Trindade e
de desvalorizar o seu corolário, a doutrina da divindade plena de Cristo. Particularmente
Stunica, um dos editores-chefes da Poliglota Complutense, veio a público desacreditar Erasmo e
insistir em que, em edições futuras, ele restituísse o versículo a seu lugar correto.
Com o desenrolar dos fatos, Erasmo - provavelmente em um momento de descuido -
concordou em inserir o versículo em uma futura edição de seu Novo Testamento grego, sob uma
condição: que seus adversários produzissem um manuscrito grego no qual o verso pudesse ser
encontrado (achá-lo nos manuscritos latinos não era o bastante). Dessa forma, produziu-se um
manuscrito grego. Na realidade, ele foi produzido nessa ocasião. Parece que alguém copiou o
texto grego das epístolas e, quando chegou à passagem em questão, traduziu o texto latino para o
grego, dando o parêntese joanino em sua forma teologicamente aproveitável, familiar. O
manuscrito providenciado para Erasmo era, em outras palavras, uma produção do século
XVI, feita sob encomenda. (EHRMAN, 2006, p. 91-92). (grifo nosso).
Assim, estamos vendo que a adição, que aparece em algumas traduções da Bíblia, tem
o objetivo de se justificar a Trindade, dogma de Constantino, anuído pela Igreja Católica, o que
poderá ser comprovado em nosso texto anteriormente indicado. Lembramos apenas que “Deus
é realmente um, e é apenas em nossa capacidade limitada de conceber que Deus se torna
três”. (Barth, Karl, 1969, apud LORENZEN, 2002, p. 57)
19
1Jo 5,20: “Sabemos também que já veio o Filho de Deus, e nos deu entendimento para
conhecermos aquele que é verdadeiro; e nós estamos naquele que é verdadeiro,
isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna”.
Passagem ao gosto dos “divinizantes”, que, apressadamente, a apresentam para
sustentar suas crenças. Só que a coisa pode não ser tanto quanto querem, visto que, essa
passagem, na versão dos tradutores da Bíblia de Jerusalém, tem o seguinte teor:
Nós sabemos que veio o Filho de Deus e nos deu a inteligência para conhecermos o
Verdadeiro (c). E nós estamos no Verdadeiro, no seu Filho Jesus Cristo. Este é o Deus
verdadeiro e a Vida eterna.
Explicam-nos, em nota, o seguinte: c) Deus, o único verdadeiro (Jo 17,3+; cf. 8,31);
1Ts 1,9; Ap3,4) e o único verdadeiramente conhecido pelo que ele é: Vida e Amor. (p. 2134).
O que significa dizer que “O verdadeiro” que negritamos no passo deve ser entendido como
“Deus, o único verdadeiro”.
Na Bíblia Sagrada Vozes, encontramos a seguinte redação:
“Sabemos que o Filho de Deus veio e nos deu entendimento para conhecermos o
Verdadeiro. E nós estamos no Verdadeiro, em seu Filho Jesus Cristo. Ele é o verdadeiro
Deus e a vida eterna”.
Observa-se, que o “este”, da tradução anterior, passa a ser “Ele”. Seus tradutores nos
explicam “O Verdadeiro” dessa forma: o verdadeiro Deus, ou então, Deus, o Verdadeiro. (p.
1553). O que faz ter o sentido diferente da tradução anterior. De igual modo a Bíblia Do
Peregrino e Novo Testamento Loyola, encontramos “Ele”.
Assim, percebemos que a polêmica toda, em torno dessa passagem, está ligada à
questão de qual manuscrito se toma para as traduções. Por tudo que levantamos até o
momento sobre o assunto, temos a convicção de que na passagem o “este” está se referindo a
Deus e não a Jesus; essa ideia só se mantém por conta das traduções divergentes.
Considerando que, conforme já o dissemos alhures, o povo (Mt 16,13-14; 26,67-68; Jo
7,40 e 9,17), os discípulos (Lc 24,19; At 3,22) e o próprio Jesus (Lc 13,33;. Jo 8,40 e Mc 6,4-
5) diziam ser ele, o Mestre, um profeta; não somos nós que iremos negar isso, já que não
vivemos naquela época.
Seria de grande interesse ver como esse problema já vem de longa data, sem que
ainda se tenha ouvido as “vozes que clamam no deserto”.
Flávio Cláudio Juliano (em latim Flavius Claudius Iulianus) ou simplesmente Juliano
(331-363) foi o último imperador pagão do Império Romano, e reinou entre 361 e a sua
morte; vejamos o que Bettenson, cita dele:
r. Juliano opina sobre cristianismo: O culto de Jesus e dos mártires Juliano Contra Christianos,
apud Cirilo de Alexandria contra Julianum, X (op. IX.326ss)
Mas, infortunadamente, não sois fiéis às tradições apostólicas: estas em mãos dos seus
sucessores tornaram-se em máxima blasfêmia. Nem Paulo, nem Mateus, nem Lucas ou Marcos
ousaram afirmar que Jesus é Deus. Foi o venerável João quem, constatando que grande
número de habitantes das cidades gregas e italianas eram vítimas de epidemias, e ouvindo,
imagino, que as tumbas de Pedro e Paulo se tornavam objeto de culto (privado, sem dúvida, mas
sempre culto), João, repito, foi quem primeiro ousou fazer tal afirmação...
Este mal se deve a João. Quem, entretanto, denunciará a causa desta outra inovação, qual seja, a
veneração dos corpos de muitos cristãos mortos ultimamente, além dos corpos dos apóstolos?
Tendes enchido as praças com tumbas e monumentos... Opinais que no particular nem sempre
valem as palavras de Jesus... (Mt 23.27) declarando que os sepulcros estão cheios de imundície...
como podeis invocar a Deus acima deles? (BETTENSON, 1967, p. 49-50) (grifo nosso).
Ernest Renan disse que “Jesus não declara em momento algum que ele seja Deus. Ele se
diz em relação direta com Deus, se diz filho de Deus. A mais alta consciência de Deus
existente no seio da humanidade foi a de Jesus”. (RENAN, 2004, p. 138). E mais à frente,
encontramos:
Que jamais Jesus tenha pensado em se fazer passar por uma encarnação do próprio
Deus, é uma coisa que não se pode duvidar. Tal ideia era profundamente estranha ao espírito
do Judaísmo; não há nenhum vestígio dela nos Evangelhos sinóticos [25], só a encontramos
20
indicada nas partes do quarto Evangelho que menos podem ser aceitas como um eco do
pensamento de Jesus. Às vezes parece que Jesus toma precauções para repelir tal doutrina [26].
A acusação de passar por Deus, ou igual a Deus, é apresentada, mesmo no quarto
Evangelho, como uma calúnia dos judeus [27]. Nesse último Evangelho, Jesus se declara
menor que seu Pai [28]. Em outro lugar, confessa que o Pai não lhe revelou tudo [29]. Ele se toma
por um homem além do comum, mas separado de Deus por uma distância infinita. Ele é filho de
Deus; mas todos os homens o são ou podem tornar-se em diversos níveis [30]. Todos, a
cada dia, devem chamar a Deus seu pai; todos os ressuscitados serão filhos de Deus [31]. No
Antigo Testamento a filiação divina era atribuída a seres que não se pretendiam, de forma
alguma, igualar a Deus [32]. A palavra “filho”, nas línguas semíticas e na língua do Novo
Testamento, tem as mais variadas acepções [33]. Além disso, a ideia que Jesus faz do homem não
é essa ideia humilde que um frio deísmo introduziu. Em sua poética concepção da natureza, um
único sopro permeia o universo: o sopro do homem é o de Deus. Habitando no homem, Deus vive
pelo homem, assim como o homem que habita em Deus vive por Deus [34]. O idealismo
transcendente de Jesus nunca lhe permitiu ter uma visão clara de sua própria personalidade. Ele é
seu pai, seu Pai é ele. Ele vive em seus discípulos, está em toda parte com eles [35]; seus
discípulos são um, como ele e seu Pai são um [36]. A ideia, para ele, é tudo; o corpo, que faz a
distinção das pessoas, não é nada.
Notas:
[25] Certas passagens, como Atos, II, 22, a excluem formalmente.
[26] Mat. IV, 10; VII, 21, 22; XIX, 17; Marc. I, 44; III, 12; X, 17, 18; Luc., XVIII, 19.
[27] João V, 18 e seg.; X, 33 e seg.
[28] João XIV, 28.
[29] Marc., XIII, 35.
[30] Mat. V, 9,45; Luc. III, 38; VI, 35; XX, 36; João, 1, 12-13; X, 34-35, Comp. Atos, XVII, 28-29;
Rom. VII, 14-17, 19, 21, 23; IX, 26; II Cor. VI, 18; Gálat. III, 26; IV, I e seg.; Fíl. II, 15; epístola de
Barnabé, 14 (p. 10, Hilgenfeld, segundo o Codex Sinaïticus).e, no Antigo Testamento, Deuter. XIV,
1 e sobretudo Sabedoria II, 13, 18.1
[31] Luc. XX, 36.
[32] Gen. VI, 2; Jó I, 6; II, 1; XXVIII, 7; Salmo II, 7; LXXXII, 6; VII, 14.
[33] O filho do diabo (Mat., XIII, 38; Atos, XIII, 10); os filhos deste mundo (Marc., III, 17; Luc., XVI,
8; XX, 34); os filhos da luz (Luc., XVI, 8; João, XII, 36); os filhos da ressurreição (Luc., XX, 36); os
filhos do reino (Mat., VIII, 12; XIII, 38); os filhos do esposo (Mat., IX, 15; Marc., II, 19; Luc., V, 34);
os filhos da geena (Mat., XXIII, 15); os filhos da paz (Luc., X, 6), etc. Lembremos que o Júpiter do
paganismo é pater andron te theon te.
[34] Comp. Atos, XVII, 28.
[35] Mat. XVIII, 20; XXVIII, 20.
[36] João X, 30; XVII, 21. Ver, em geral, os últimos discursos relatados pelo quarto Evangelho,
principalmente o cap. XVII, que exprimem bem um lado do estado psicológico de Jesus, embora
não se possa encará-los Como verdadeiros documentos históricos.
(RENAN, 2004, p. 260-264). (grifo nosso).
Bart D. Ehrman afirma incisivamente que “Os escritos originais do Novo Testamento,
porém, raramente trazem algo tão categórico como a firmação “Jesus é Deus” (EHRMAN,
2008, p. 324), em nota ele explica: “Há algumas passagens que se aproximam disso (por
exemplo, João 8:58, 10:30, 14:9) e eis uma das razões pelas quais os proto-ortodoxos
gostavam delas, mas nenhuma faz menção explícita de Jesus como Deus”. (EHRMAN, 2008, p.
389).
Juan Arias, jornalista, filólogo, escritor e ex-sacerdote, nascido Arboleas, Almería
(Espanha) em 1932. Cursou teologia, filosofia, psicologia, línguas semíticas e filologia
comparada na Universidade de Roma. Durante quatorze anos foi correspondente na Itália e no
Vaticano para o jornal espanhol El País. Antes disso, cobriu para o jornal Pueblo trabalhos do II
Concílio do Vaticano. Viajou inúmeras vezes ao redor do mundo acompanhando os papas Paulo
VI e João Paulo II. É autor de vários livros, publicados em mais de dez idiomas. Recebeu o
Premio a la Cultura de la Presidencia del Gobierno e o Castiglione de Sicilia como melhor
correspondente estrangeiro. Atualmente é correspondente no Brasil para El País e membro do
Comitê Científico do Instituto Europeu de Design. Da sua obra Jesus esse grande desconhecido
transcrevemos:
Jesus era diferente. Sem nunca renegar a sua condição de judeu cioso da Lei, foi imensamente
crítico em relação à religião fossilizada de seu tempo. Nunca se proclamou Messias nem Deus,
mas os que o seguiam, diante dos prodígios que realizava, sentiam-no como tal ou desejavam que
o fosse. E, por mais que ele às vezes protestasse, dizendo que não era ele mas Deus quem
operava os milagres, as pessoas e até os próprios apóstolos acreditavam literalmente que o novo
21
Reino que ele anunciava era também um reino temporal e concreto que devolveria a Israel a
liberdade perdida. E confiaram nele. (ARIAS, 2001, p. 100-101). (grifo nosso).
Arias possui credenciais suficientes para darmos crédito ao que fala. Se tivesse num
encontro com o Presidente dos Estados Unidos, certamente, que este lhe diria: “Esse é o cara”.
Concluímos dizendo que criar um mito é fácil, derrubá-lo torna-se a coisa mais difícil,
visto que a grande maioria de nós não tem humildade suficiente para reconhecer que está
errado, de um lado; e de outro o apego aos conhecimentos adquiridos como certos faz com
que neguemos quase tudo o que nos vem de forma contrária; mesmo diante de elementos
comprobatórios das verdades que nos são apresentadas; ou seja, agimos puramente por
preconceito. Nossa maneira de agir é tal qual a daqueles que não queriam olhar o céu pelo
telescópio de Galileu...
Se estendemos por demais esse estudo, não foi sem razão, visto tratar-se, como já o
dissemos, de um assunto polêmico; por isso seguimos: “O rigor da crítica exige uma busca
longa e precisa, um exame de cada ponto, depois dos quais, com vagar e precaução, podemos
afirmar que estes autores dizem a verdade e aqueles outros mentem sobre os prodígios que
narram”. (ORÍGENES, 2004, p. 440).
Apenas mais três coisinhas, antes de finalizar, se nos permite a sua paciência, caro
leitor. Todos nós temos repulsa aos rituais sangrentos de sacrifícios de animais; pior ainda
quando, ao invés de animais, são utilizados seres humanos. A origem deles sabemos ser os
rituais pagãos; mas, apesar disso, encontramos nas páginas da Bíblia, tanto um quanto o
outro. Os rituais de expiação pelos pecados praticados pelos judeus envolviam animais –
touros, bodes, carneiros, cabritos, etc. -, na tola esperança de serem perdoados de seus
pecados, quando o supremo Criador do Universo passa a perdoá-los por ter sentido o “odor
agradável” de carne assada. Aliás, não sabemos quem inventou essa história, pois Deus nega
veementemente que tenha instruído tais barbaridades: “Pois quando tirei do Egito os
antepassados de vocês, eu não falei nada nem dei ordem alguma sobre holocaustos e
sacrifícios” (Jr 7,22) e também afirmou que “eu quero amor e não sacrifícios, conhecimento de
Deus mais do que holocaustos” (Os 6,6); essa afirmação foi confirmada pelo Mestre que disse:
“E amá-lo de todo o coração, de toda a mente, e com toda a força, e amar o próximo como a
si mesmo, é melhor do que todos os holocaustos e do que todos os sacrifícios". (Mc 12,33).
Manassés, rei de Judá (687-642 a.C.), chegou a sacrificar seu filho no fogo (2Rs 21,1-
7), o que também fez Acaz, rei de Israel (737-732 a.C.) (2Cr 18,1-4). Jefté, nono juiz de
Israel, para cumprir uma promessa idiota que fez, mandou queimar sua filha (Jz 11,30-40),
até mesmo toda Jerusalém foi acusada de entregar seus filhos para serem queimados (Ez
16,20-21; Jr 19,4-5).
Um outro sacrifício foi feito por Jerusalém; aquele que fazem questão de lembrar todos
os anos na Semana-Santa. É isso mesmo; embora, não tenham queimado Jesus, numa
oferenda, não deixaram por menos; pregaram-no numa cruz. Sabemos que, na verdade, não
foi um sacrifício oferecido; mas a cristandade tem sua morte como tal, o que corroboramos em
Rohden:
Infelizmente, porém, a ideia do bode expiatório que morreu para o judaísmo, continua no
cristianismo, com a diferença de que agora o bode expiatório não é mais um animal inocente,
que, morrendo, extinga os pecados humanos, mas sim o único homem sem pecados que, segundo
a teologia, paga com sua morte os pecados da humanidade. (ROHDEN, s/d, p. 96). (grifo nosso).
E aí, magistralmente, conclui:
Depois desse pagamento dos pecados da humanidade pelo sangue de Jesus, era de se
esperar que o homem estivesse quite com a justiça divina; mas os teólogos ensinam que todo
homem nasce de novo em estado de pecado, vive e morre cheio de pecados – não se sabe em
virtude de que lógica... (ROHDEN, s/d, p. 97). (grifo nosso).
Aceitando isso como querem, ou seja, o Messias como um “bode expiatório”, então,
estamos diante de mais um absurdo teológico: Deus aceitando a expiação do pecado da
humanidade após um sacrifício humano, que foi o do seu filho Jesus.
Dito isso, vamos às três coisas:
1ª) Como um sacrifício de uma pessoa até a morte pode redimir o pecado de uma
outra?;
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2ª) Caso Jesus seja mesmo Deus, ficaremos em grande dificuldade para entender, como
Deus, descendo do céu, encarnando num corpo humano (Jesus), utiliza-se de sua morte na
cruz para oferecer-se em sacrifício a si próprio visando a remissão dos pecados da
humanidade. Não seria mais prático em portanto, mais lógico fazer isso com um simples
perdão?;
3ª) Considerando que os rituais de sacrifício eram feitos pelos pecados já cometidos,
então devemos esperar um outro Cristo para morrer pelos nossos, os cometidos depois de sua
morte até o presente?
Fechando esse estudo, queremos apenas acrescentar que não temos a pretensão de
demover os que advogam a divindade de Jesus, da ideia de ser ele o próprio Deus, nem
convertê-los à nossa maneira de pensar; estamos apenas propondo uma reflexão sobre esse
assunto, e os que tiverem “ouvidos de ouvir, que ouçam”. Você, caro leitor, poderá até
estranhar o motivo pelo qual enveredamos nessa reflexão. Respondemos: É que sempre
achamos impossível seguir o exemplo de Jesus considerando-o como sendo Deus; e pensando
assim, nenhum esforço fazíamos para tal; entretanto, considerando-o um ser humano
encarnado como todos nós, e deixando a sua evolução fora disso, é mais viável assim
entender, embora saibamos não ser uma tarefa muito fácil.
Paulo da Silva Neto Sobrinho
jun/2009.
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